"...não escohi me sentir menino mesmo tendo nascido num corpo de menina, não escolhi a minha vida toda querer refletir no espelho uma imagem masculina que habitava na minha mente. Essa, foi uma decisão e uma seleção da natureza, por um motivo que infelizmente não sei dizer qual..."
sexta-feira, 27 de agosto de 2010
AS BARREIRAS DO AMOR
Tudo bem...imagino que ao ler o título desta postagem vocês devam pensar: “ lá vem mais um papo de homem apaixonado, nada político...” pois sim, é de fato um texto movido pela paixão, mas é também político, crítico e questionador. Afinal, vivemos uma luta que é feita e refeita diariamente, uma luta sem armas, mas em que muitas vezes saímos feridos e ferimos também, por isso deve ser cuidadosa, deve introduzir as questões para serem refletidas. Quero falar de preconceito, não é um tema que caiu em desuso, porque quanto mais entro no universo dos que são discriminados e marginalizados, vejo que o preconceito e a discriminação não param por aí. Pra quem pensa que o grupo LGBT é um grupo que se une para combater os preconceitos externos, não imagina que dentro do próprio grupo existe uma outra gama, diga-se de passagem, muito grande, de preconceitos internos, de sub grupos que rejeitam e são rejeitados pelos demais. Mas o pior acontece, quando duas pessoas de diferentes subgrupos se apaixonam e se relacionam, pronto está comprada a guerra! Vem as críticas e as ameaças, perguntas como: “Então você não é mais isso agora você é aquilo?” na tentativa de restabelecer rótulos... Depois da identificação e da conquista da identidade, penosa e sacrificada, ainda somos capazes de quebrar edificações sólidas que nós mesmos construímos.
O transexual estabelece sua identidade como homem ou mulher, e quer ser visto e tratado como qual , mas será que é coerente um homem transexual exigir para si somente mulheres biológicas? É contraditório, é o mesmo que exigir que mulheres biológicas se apaixonem somente por homens biológicos e vice versa . Não faz sentido! Um homem e uma mulher podem se apaixonar independente da condição em que se encontram. Assim com dois homens ou duas mulheres... Então porque é tão polêmico o amor entre um homem e uma mulher ambos transexuais?
Quando se trata de identidade de gênero, não existem culpados, não existem causas generalizadas, mas deve existir o respeito por essa identidade. A minha mulher transexual não é mais nem menos mulher do que muitas que nasceram assim. E eu, não sou mais nem menos homem... somos pessoas, somos um homem e uma mulher apaixonados, doa a quem doer!
domingo, 22 de agosto de 2010
É UM PROBLEMA DE TODO MUNDO, DO MUNDO TODO!!
Uma coisa é preciso entender: não somos vítimas , somos agentes modificadores, produtos para a reflexão da espécie humana.
Somos parte da sociedade, e dela nos é cobrado todos os deveres sem distinção. Pagamos impostos e precisamos viver digna e honestamente, com o fruto do nosso trabalho, exercendo nosso papel crucial como cidadão . A população transexual no mundo não é de dezenas nem de centenas, mas de milhares e milhares de pessoas que vivem essa condição. Acredito que ninguém prefira viver na marginalização, nós consideramos árdua a caminhada para readequação do corpo físico,mas uma reflexão curiosa me fez pensar em como é vivida a transexualidade no mundo, em países de cultura rígida como o Paquistão, Afeganistão ou índia, por exemplo. A transexualidade não existe somente para países democráticos, ocientais... è um fator presente na espécie humana, onde quer que ela se apresente.
Pensei nas pessoas que nascem em tribos indígenas e sofrem com o transtorno da identidade de gênero, como se manifestam enquanto indivíduos? Percebi então que não tenho grandes problemas, pelo contrário, tenho a liberdade de solucioná-los. Vivo em um país democrático onde os transexuais têm espaço para lutar pelos seus direitos. Sou grato por isso. Não consigo imaginar o que seria acordar todos os dias sem esperança alguma de viver, somente sobrevivendo ao passar dos anos, aparentando ser constantemente algo que não sou. Isso sim seria um verdadeiro filme de horror. E são muitas as pessoas que vivem esse filme na vida real. Pensei nelas, o que eu poderia fazer, se pudesse fazer alguma coisa, se é que não posso!
As culturas sólidas devem ser respeitadas, mas a intolerância deve ser combatida. A medicina talvez seja a porta mais ampla para ingressar no entendimento de certos grupos, fazendo um trabalho sério e dedicado sobre a disforia de gênero, encarando isso como um problema social grave a ser resolvido através da ciência médica. Já que ela tem credibilidade na maioria desses países.
Enquanto na Índia as hijras lutam para serem reconhecidas como mulheres, a realidade social não esconde a marginalização e a cultura paralela que criam em seu universo particular. Muitas pedem dinheiro nos semáforos, a grande maioria se prostitui, e quase todas perderam a referência da família, foram abandonadas e são todos os dias humilhadas. Mas aprenderam a ser temidas, aproveitando-se da supertição da cultura indiana, ameaçam jogar pragas. Porém, como a maioria das civilizações, os homens ( biológicos ), sempre tiveram mais espaço e voz. Os primeiros a se manifestarem na luta pelos seus direitos foram os gays, as lésbicas, desfavorecidas pelo gênero, vieram depois com os movimentos feministas. Imaginem então, o que é viver sendo homem no corpo de uma mulher em um país de cultura Hindu ou mulçumana, onde a intolerância predomina especialmente entre as mulheres?
Não vou pôr conclusão a esta postagem, este é um assunto sério que merece ser estudado e considerado. Mas fica a reflexão, para transexuais ou não.
quarta-feira, 18 de agosto de 2010
UMA BREVE EXPLICAÇÃO
Fico feliz em ter leitores, pequenos em números mas maestrosos em dignidade. Quero agradecer sinceramente aos que acompanham meus escritos:os seguidores, os que comentam pessoalmente e os que comentam virtualmente. Tinha dúvidas se surgiriam pessoas interessadas em ler os relatos de um homem transexual, embora habite em mim uma enorme satisfação em escrever, ainda preciso conviver com a minha inexperiência e ignorância digital. Por elas, peço desculpas.
Mas o interesse real desta postagem, é de atender à uma necessidade que tenho sentido presente em algumas pessoas que eventualmente acompanham meu blog: a de esclarecer um pouco sobre termos específicos e sobre a própria transexualidade. Já que nem todos participam deste universo. Venho então tentar de maneira objetiva resumir um pouco sobre nós, os transexuais.
O QUE É DISFORIA DE GÊNERO OU TRANSTORNO DE IDENTIDADE DE GÊNERO???
Na wikpédia está assim: O transtorno de identidade de gênero é um transtorno de ordem psicológica e médica, que se manifesta na condição em que a pessoa é de um determinado gênero biológico (homem e mulher), mas se identifica com os indivíduos pertencente ao gênero oposto, e considera isso como desconfortante ou é incapaz de lidar com essa condição. O transtorno de identidade de gênero ou síndrome de disforia de gênero, acredita-se que não é algo que se manifesta em um deteminado momento da vida, mas que vem desde a fase pré-natal,o indivíduo não se identifica com o gênero biológico mas isso não o torna incapaz de exercer qualquer papel na sociedade e não quer dizer que tenha qualquer outro tipo de transtorno ou psicose. Os tratamentos voltados para readequar à mente ao corpo físico não obtiveram sucesso, então o único tratamento eficaz é readequar o corpo à mente, ou seja, à identidade de gênero. NÃO É OPÇÃO, NÃO É ESCOLHA, NÃO É HOMOSSEXUALIDADE POIS NÃO ESTÁ LIGADO À ORIENTAÇÃO SEXUAL E SIM À IDENTIDADE DE GÊNERO!
Um transexual pode ser HETEROSEXUAL, HOMOSSEXUAL, BISSEXUAL OU ASSEXUADO, pois sua identidade de gênero, quer dizer, a forma como ele se vê ( homem ou mulher ) é que está em questão. Não a sua orientação sexual.
O TRANSEXUAL MASCULINO: è o homem que nasceu no CORPO feminino, de uma mulher. é identificado pela sigla FTM, que em inglês quer dizer FEMALE TO MALE ( feminino para masculino )
A TRANSEXUAL FEMININA: è a mulher que nasceu no CORPO masculino, de um homem. A sigla que as identifica é MTF, MALE TO FEMALE ( masculino para feminino ).
Mesmo alguns estudiosos confundem essas denominações e chamam a nós, homens transexuais de transexuais femininas. Mas não é o caso, somos os transexuais masculinos.
Somos confundidos também com outras personargens que não possuem o transtorno de identidade de gênero, por exemplo:
TRAVESTIS:Travestis são homens e mulheres que se caracterizam do gênero oposto ao qual pertencem mas não tem nenhum problema com seu gênero biológico, não havendo assim, necessidade de intervenção cirúrgica para a readequação do sexo.
HOMOSSEXUAIS: è simplesmente uma orientação sexual, quando uma pessoa sente atração física e afetiva pelo mesmo gênero. E nada tem haver com a transexualidade. Como já foi dito, um transexual não é transexual porque é homossexual, e sim porque sua identidade de gênero difere do gênero biológico.
INTERSEXUALIDADE : São pessoas que nasceram com ambiguidade de gênero e essa ambiguidade é manifestada fisicamente. Possuem características dos dois sexos, em diversos níveis, desde uma produção hormonal diferenciada até as genitálias dos dois sexos desenvolvidas.
TRANSGÊNEROS:
Ultimamente o termo tem sido usado para pessoas que transitam entre um sexo e outro, que possuem a identidade de gênero ambígua. Mas é um termo que envolve bastante discussão.
ESPERO TER ESCLARECIDO ALGUMAS DÚVIDAS. Me coloco aberto para discutir ou reavaliar qualquer conceito e continuar esclarecendo dúbios que permaneçam existentes.
A IDENTIDADE TRANSEXUAL
Nesses últimos dias tenho silenciado um pouco este blog...
Venho pensando, sentindo e observando minha postura na sociedade:
No dia a dia, na faculdade, na vida profissional e espiritual, tenho me reafirmado cada vez mais como homem. E a medida que me aproximo deste universo masculino no mundo real, não só na minha mente, percebo que a auto afirmação como homem, sendo um homem transexual, difere em alguns pontos da auto afirmação de um homem biológico. Eles tem preocupações que alguns de nós não tem, e vice versa. Nossa masculinidade é imposta de uma forma muito particular, ainda primária talvez, que vai desde o surgimento dos primeiros pêlos faciais, a voz grossa... readequar nossa aparência como um homem se torna quase uma fixação, eu penso nas sobrancelhas, nos cílios, nas mãos, nos pés, na textura da pele... acho que alguém vai olhar esses detalhes e dizer que sou diferente... às vezes me sinto como se fosse um criminoso se escondendo de alguém que reconhecesse sua foto nos “procurados”.
Quanto a sentir na pele o papel social de um homem e desempenhá-lo, não é um problema, é uma satisfação e realização. Porém venho desconstruindo e reconstruindo minha auto imagem masculina. Sim, porque antes, eu me sentia homem, meu corpo estava errado, mas isso não fazia de mim um homem diferente dos outros. Hoje, analisando e sentindo sem os anteriores preconceitos machistas que me atordoavam a mente, entendo de forma clara e bem resolvida, que por mais que eu seja um homem que pensa e vive como um, eu não sou exatamente como os outros homens biológicos. Existe algo que me difere, sinceramente sinto até que me torna especial, sim, eu sou um homem, mas eu sou um homem transexual!
Admitir essa realidade não é tarefa fácil, é preciso estar muito seguro de si. Pode parecer óbvio para quem vê de fora, mas os homens transexuais talvez saibam do que estou falando.
O problema é que me assumo como homem e me escondo como homem transexual, que é o que de fato sou. Bem... aí entram meus questionamentos. As pessoas na sociedade a qual pertencemos e precisamos conviver têm uma série de pré definições à respeito da transexualidade, e convenhamos, a grande maioria não é positivo. Penso então na minha parcela de culpa nisso, eu mesmo não consigo bater no peito e assumir que sou homem sim, mas um homem transexual e que nem por isso sou menos, sou promíscuo, sou doente mental e todas as outras coisas que se pode pensar sobre nós. Estou dividindo uma sala de aula com outros futuros psicólogos, e nenhum deles sabe a minha realidade como homem transexual. Não que eu ache que devo andar com uma faixa na cabeça indicando minha transexualidade, ou que ao conhecer alguém eu deva dizer: “ Olá, meu nome é fulano, sou transexual”.
Na verdade ainda nem tenho certeza de como devo agir, mas sinto que preciso impor respeito aos homens transexuais, mostrar que a nossa existência é palpável, que somos homens sem grandes limitações, podemos ser amigos, maridos, profissionais... é o nosso direito de SER. È a minha identidade como transexual. Enquanto me escondo, tenho medo e vergonha de ser quem sou, é como se eu fosse cúmplice da mentalidade geral , cúmplice do preconceito, da falta de informação...
Um dia desses fui palestrar sobre o universo dos transexuais para um grupo LGBT de surdos aqui em Recife, eram cerca de 50 surdos, entre eles gays, lésbicas, bissexuais e transexuais. Ao explicar para eles a diversidade dos reconhecimentos de gêneros senti um certo alívio, ali a grande maioria tinha conceitos errôneos sobre a transexualidade, senti que ficaram esclarecidos, e isso me gerou uma felicidade e sensação de dever cumprido. Mas ao terminar, senti que estava só começando.
Assumir minha identidade nos momentos certos, para as pessoas certas, talvez seja um grande passo para a reconstrução dos conceitos sobre os transexuais, o início da desmistificação, da imposição e do respeito.
quarta-feira, 11 de agosto de 2010
QUANDO UM HOMEM SE APAIXONA...
Palavras sinceras ecoam
como uma corrente enérgica
que percorre as veias,
tornando-se necessárias.
Os olhos permitem-se umedecer
em lágrimas de saudade...vontade...
E ele entende, que na verdade, pode chorar.
Já não tem forças pra lutar
contra uma sensibilidade
que lhe tonteia a mente
no simples olhar nos olhos dela
e se permite sonhar...
Quando um homem se apaixona,
ele pensa o quão melhor e
minimamente bom ele poderia ser
para merecê-la.
Ele não quer assustá-la,
para não afastá-la.
Mas ele mesmo, como criança,
embaralha os sentidos.
Quando um homem se apaixona,
quer criar um mundo melhor
onde tudo fosse perfeito
só pra vê-la sorrir,
esse sorriso inteiro...
sexta-feira, 6 de agosto de 2010
FILMOGRAFIA E BIBLIOGRAFIA TRANSEXUAL
Este espaço foi criado para que pudéssemos dividir títulos de obras sobre o tema. Já que não é muito grande a popularidade de filmes e livros sobre transexualidade, quero encarecidamente pedir que caso tenham alguma sugestão coloquem aqui como comentário para que possamos dividir com os demais interessados.
FILMES:
- Boys don’t cry – meninos não choram. Baseado na história real de Brandon, FTM ( female to male / transexual feminino para o masculino ).
- Ma vie en rose – Minha vida em cor de rosa. Um dos mais belos filmes que já vi. Conta o drama de uma criança com crise de identidade de gênero e de sua família. MTF ( male to female).
- Meu Eu Secreto – documentário de um programa de reportagem americano. Dividido em 5 partes, pode ser encontrado com legendas no youtube.
LIVROS:
- Vivencia Transexual - Maria Alves De Toledo Bruns - Maria Jaqueline Coelho Pinto.
Transexualismo - Ana Paula Ariston Barion Peres -O DIREITO E UMA NOVA IDENTIDADE SEXUAL – Esta obra trata as questões legais do transexualismo.
CANAL FEITO PELO LÉO, COLETÂNEA DE VÁRIOS VÍDEOS( não consegui postar o link mas coloquei na minha lista de blogs ):http://youtube.com/ftmbrasilsite
PERSPECTIVAS SOBRE AS CAUSAS DA TRANSEXUALIDADE
“ Sou um pouco do que sou, um pouco do que penso que sou e,ainda, um pouco do que pensam que sou.” ( L. P. / 2001 )
O que nos diferencia das demais espécies animais é justamente a intrigante capacidade de raciocínio que nos leva a questionamentos cada vez mais insaciáveis. Procuramos causas sobre efeitos, respostas aos enigmas, para talvez acalentar a nossa solidão diante da magnitude de um universo infinito. Então, quero especialmente esclarecer, a priori, que o objetivo deste estudo não é estabelecer qualquer tipo de verdade nem ser taxativo. Meu estímulo à estas pesquisas foi de lançar um novo olhar sobre as perspectivas e especulações à respeito do tema transexualidade. Buscando sair da minha aparente zona de conforto, ao invés de devolver o julgamento que me é dado, tento entender como somos vistos e analisados de fora, assim sou capaz de concordar ou discordar e, na medida do possível, nos melhor mostrar. Expondo, então, a realidade interna, sentida, doada e doída de ser quem somos. E somos vistos por diversos ângulos.
Ao longo de décadas temos sido julgados, na maioria das vezes não de forma positiva, nossa essência tem sido negada, escondida e apedrejada, mas também temos sido estudados e analisados pelos aparentemente mais preocupados, se não pelo lado humano, talvez preocupados com a moral e a decência, tentando justificar ou aliviar a culpa por nos aceitar tal como somos.
Neste estudo quero enfatizar algumas das principais teorias acerca da transexualidade, embora não de forma aprofundada por reconhecer as minhas limitações quanto à conhecimentos específicos no âmbito científico -psicológico. Não quero ofender ou desafiar qualquer estudo ou estudiosos, não se trata de um profissional lidando com outros profissionais, trata-se sim de um ser humano que pretende entender e se fazer entender.
Quando se trata de estudo sobre a transexualidade, tudo o que existe são especulações, não existem achados definitivos ou conclusivos sobre o assunto. As pesquisas prosseguem, e os pesquisadores se utilizam uns dos outros para acrescentar elementos em sua teoria. Aqui eu analiso quais poderiam ser as causas da transexualidade no ponto de vista de três grandes ordens teóricas: As perspectivas de ordem biológicas, psicológicas e espirituais.
Teorias biológicas para as causas da transexualidade:
Aparentemente, pouco se tem a dizer sobre as possíveis causas biológicas por ter sido a psicologia a ciência que mais explorou o tema. Embora atualmente a disforia de gênero seja considerada um transtorno mental pela psiquiatria. O que ao meu ver é bastante controverso, já que para um transtorno mental o mais coerente seria um tratamento com medicação ou psicoterapia e não um tratamento físico. Por exemplo, se um esquizofrênico diz que é o super-homem, tende-se a tratá-lo de forma a entender que ele não o é, ao invés de transformá-lo em um super-homem. Todas as tentativas de tratamento para reverter a disforia de gênero não obtiveram sucesso, os chamados disfóricos caíam em profunda depressão, o que era constante causa de mutilação e suicídio. Ao perceber que estava em risco a vida e o bem – estar do paciente, a medicina resolveu readequar o corpo físico para que fosse compatível com a identidade de gênero, não mais o contrário. Concluiu-se também que o transexual não é psicótico, ele sabe da sua biologia. Ou seja, temos total consciência do sexo biológico ao qual pertencemos e sabemos que ele é diferente da nossa identidade de gênero.
Existe na biologia pessoas que nascem com sexo ambíguo, são pessoas que nascem entre os dois sexos, situação conhecida como hermafroditismo. A disforia de gênero é também chamada falso hermafroditismo, já que o indivíduo nasce, normalmente, com a biologia perfeita, sem qualquer contradição e com as funções normais dos órgãos reprodutores. Mas, mesmo assim, encontra-se numa ambigüidade de sexos, já que sua identidade de gênero não condiz com tal biologia.
Alguns autores concluem que, em transexuais, a diferenciação do cérebro e dos genitais corre em direções opostas e indica a base neurobiológica do transtorno de identidade de gênero. Referem que a diferenciação do hipotálamo ocorre aproximadamente por volta dos quatro anos de idade e depende de fatores genéticos e níveis de hormônios pré-natais. Por isso, acredita-se também que é durante a gestação que aparecerão fatores determinantes para essa futura condição.
Teorias psicológicas para as causas da transexualidade:
A seguir irei considerar pontos que considero de relevância sobre as visões psicanalítica e psicodramática do transexualismo em virtude da importância dos estudos psicanalíticos do tema. Existem várias definições à respeito da formação da identidade de gênero, segundo diferentes escolas psicológicas.
O foco do estudo está entorno das seguintes teorias de causas:
-(baseada na ) psicanálise.
- Aprendizado social
- Desenvolvimento cognitivo
Sinto que preciso alertar que muitas teorias psicológicas podem parecer ofensivas aos transexuais, e pretendo lembrar que o fato de estudar essas teorias e considerá-las aqui não me coloca a favor de todas elas.
No final do século XIX e início do século XX, tal termo e conceituação médica não eram evidentes, sendo a questão vista como variação do amplo tema do homossexualismo, mas foi Stoller, um importante estudioso do transexualismo e da psicanálise, um dos primeiros a distingüir sexo (manifestação biológica) de gênero (manifestação sócio-cultural). Algo que para alguns ainda não é muito óbvio. Mas nós, os transexuais, convivemos ao longo de toda a vida com essa diferenciação e sabemos, intuitivamente, que sexo não necessariamente é a mesma coisa de gênero. Stoller afirmou: As experiências não podem ser reproduzidas à vontade, mas apenas por uma mãe motivada a interagir em seu filho durante todo o dia e por anos, com toda a complexa intensidade que forma o comportamento maternal… nenhuma simples experiência behavorista em laboratório pode estimular as psicodinâmicas de vida que produzem um transexual.
hipótese não-conflitiva e conflitiva.
A partir da década de 1970 do século XX, estudiosos da psicanálise e de diversas escolas psicológicas procuraram sistematizar conhecimento a respeito do tema. As dificuldades conceituais e as divergências em relação aos referenciais psíquicos, apesar de aumentar a confusão já existente, contribuíram com informações e observações valiosas.
Segundo Michel et al existem duas categorias psicológicas de entendimento da etiologia do transexualismo: uma hipótese não-conflitiva e outra, conflitiva.
A hipótese não-conflitiva avalia a relação mãe-filho como sendo emocional e corporalmente feliz e que se prolonga em uma simbiose na qual o menino se identifica com o gênero da mãe. Já a hipótese conflitiva é um mosaico de diferentes teorias propostas no qual o pedido de mudança sexual nada mais é do que uma "formação de compromisso patológico", ou seja, "nesse contexto o transexualismo é considerado uma defesa contra a homossexualidade, uma forma de perversão, um transtorno narcísico ou uma perturbação da fase de separação-individuação" Segundo os mesmos autores, haveria concordância geral de que o transexualismo apareceria como manifestação de um transtorno de personalidade do tipo "borderline", pois os transexuais apresentam muitas características similares à desses indivíduos (ansiedade crônica, difusa e flutuante; isolamento; depressão; baixa tolerância ao estresse; etc.).
Privilegiando essas experiências, Stoller desenvolve maneira particular de pensar e entender apenas o transexualismo masculino( aqui considerado como os MTFs, o correto seria transexualismo feminino) e que, segundo ele, teria como possível origem a següinte seqüência:
1. invasão da mãe em seu filho e a proximidade entre eles: extrema simbiose entre mãe e filho, gerando identificação intensa que não é rompida.
Aparentemente não existe conflito edipiano na situação edipiana. Isto porque não existe (praticamente) pai. O menino não tem rival em relação à sua mãe; ele a possui, talvez mais completamente do que o possa qualquer outra criança, porque eles são praticamente um (Stoller, 1982, p. 28).
O filho não se sente ameaçado em sua virilidade e masculinidade pelo pai, por isso o conflito edipiano não se estabelece.
2. ausência do pai: a figura paterna não ameaça e não estabelece um conflito edipiano. A escolha da mãe por um pai com as características de ausente, infantil, desleixado consigo e com o mundo ou mesmo alcoólatra e/ou distante não é por acaso e tem relação direta com a forma dessa mãe encarar a própria sexualidade e a relação com esse filho.
3. passividade e a bissexualidade do pai: Esses pais, não são apenas incapazes de tomar parte na família como homens masculinos, mas o seu relacionamento com as esposas é distante e mal-humorado. Eles não desejam assumir a responsabilidade de sua função de marido e pai, mas, sem reclamações, persistem em um casamento sem amor e quase sem sexo (Stoller, 1982, p. 68-69). Alguns até demonstram efeminação e sua bissexualidade.
4. baixa freqüência de divórcios: a taxa de divórcio costuma ser praticamente zero, apesar dos casamentos infelizes, com ataques de raiva, insatisfação sexual, desprezo e silêncios prolongados; mulheres poderosas e iradas que não podem abandonar seus maridos passivos; maridos calados que dizem que as coisas estão bem e não ouvirão o desespero atrás da hostilidade de suas esposas. O casamento é seguro e essencial para ambos e a separação seria um desastre.
5. a influência da irmã: uma irmã também pode reforçar ou dar origem ao comportamento feminino do irmão. Se a mãe não é tão competitiva nem ultramasculinizada, muitas vezes uma irmã pode sê-lo e, com isso, originar o comportamento no irmão.
Minha tese, a ser melhor testada no futuro, é de que o grau de feminilidade que se desenvolve em um menino irá variar exatamente (não aproximadamente) com aquilo que lhe tenha sido feito no início da infância (Stoller, 1982, p. 71).
Porém, nenhuma dessas causas foram pensadas no que se diz respeito aos transexuais masculinos (FTM). Contudo, as causas para a transexualidade seriam unilaterais, ou diferentes para homens e mulheres, o que torna controversa esta versão, embora não totalmente descartada, por poderia servir para justificar alguns comportamentos, mas não uma identidade de gênero. Stoller acredita que o “transexualismo” feminino e masculino têm dinâmicas diferentes.
a psicanalista parisiense Agnès Oppenheimer, posiciona-se a favor das idéias de Stoller e acrescenta-lhes alguns dados:
• transexuais são invadidos por uma obsessão, uma crença invasiva sobre sua transformação corporal;
• eles não apresentam nem transvestismo perverso nem psicose;
• eles são desconfiados, mentem facilmente, vêem as diferenças entre os sexos de forma estereotipada, trivializam seus problemas, e como não se reconhecem homossexuais, desaprovam completamente a homossexualidade.
Ovesey e Person,psicanalistas que ainda hoje servem de referência ao estudo do transexualismo, estabelecem que, mais que uma identidade de gênero feminina, os transexuais masculinos possuem uma identidade de gênero ambígüa. Desde pequenos eles têm um desejo, não uma convicção. "Eu gostaria de ser uma menina" e não "Eu sou uma menina". A convicção cristalizada só acontece quando o paciente aprende sobre a existência do transexualismo. A maioria dos pacientes comumentemente fala de suas dúvidas e da confusão sobre o quê e quem são – heterossexual, homossexual, travesti – até aprenderem e lerem sobre transexualismo.
Person e Ovesey evoluem sua conceituação estabelecendo os conceitos de transexualismo primário e secundário. No transexualismo primário, a criança recorreria a uma fantasia reparativa de fusão simbiótica com a mãe para conter a ansiedade de separação. Esta seria a etapa mais primitiva de um "continuum" de desenvolvimento e geraria uma identidade de gênero ambígua que impediria um desenvolvimento sexual adequado, levando os indivíduos a uma relativa assexualidade e a uma atividade masturbatória pouco prazerosa e fantasiosa.
Já em relação ao transexualismo secundário, dividido em transexualismo homossexual e transexualismo transvéstico, não ocorre a fusão simbiótica com a mãe mas, sim, uma relação transicional com objetos parciais. Neles a vida sexual pode ser intensa. Dessa maneira, pode-se pensar em uma "síndrome transexual", evoluindo desde um transexualismo primário a um secundário. Com isso, estabelece-se uma abordagem e conduta para os transexuais, além de uma visão na qual o tratamento pode ser diferenciado baseado na evolução psicodinâmica, adequação social, adequação pessoal e vida sexual.
Como existem vários autores psicanalíticos que discutem o tema, não vou considerar todas as fontes encontradas, sublinhando, por ora, as que considerei mais intigrantes, coerentes ou absurdas.
Poucos dos autores se dedicaram ao estudo do transexual masculino ( FTM), um deles foi Socarides, que descreve quatro características que também podem ser aplicadas às transexuais MTF:
1. intenso, insistente e persistente desejo de ter seu corpo transformado no de uma pessoa do sexo oposto;
2. convicção de ter sido aprisionado no corpo do sexo errado;
3. imitação concomitante do comportamento de uma pessoa do sexo oposto;
4. uma procura insistente de transformação sexual por meio de cirurgia e de uso de hormônios.
Os psicanalistas Volkan e Masri, seguindo as diretrizes de Socarides, apresentam características de desenvolvimento psicológico ligadas ao transexualismo feminino( aqui considerado o FTM). São elas:
1. está associada à fase pré-edípica, entre os 18 meses e três anos de idade;
2. sua identidade masculina se inicia precocemente na vida e se manifesta pelo uso de objetos entre as pernas, simulando um pênis;
3. o desenvolvimento da identidade masculina está ligada à relação estabelecida com a mãe e à ausência do pai. A mãe é usualmente deprimida e sexualmente faminta. A menina, para compensar o sofrimento materno, de forma inconsciente, se identifica como homem e passa a usar objetos entre as pernas que substituem o pênis que lhe falta e a diferenciam da mãe deprimida e sofredora;
4. na fase edípica, ao não contar com o reconhecimento paterno, identifica-se com ele para escapar da relação intensa com a mãe;
5. como conseqüência, a menina desenvolve a característica de ser centrada em si mesma e, na adolescência, o desejo cirúrgico de transformação para concretamente ter um pênis.
Identidade X identificação Jacob Levy moreno, criador do psicodrama
Identidade não deve ser confundida com identificação. Identificação supõe a existência de um eu estruturado que tenta encontrar sua identidade com um outro eu igualmente estruturado.
Identificação pode produzir-se apenas depois que a criança cresceu e desenvolveu sua capacidade de se distingüir de outras pessoas. Referimos, pois, identidade à fase mais precoce do desenvolvimento da criança (Moreno, 1974, p. 116).
Matriz de identidade
Matriz de Identidade e reconhecimento do Eu sexual, espelho sexual. Por essa teoria, antes mesmo do bebê nascer, seu lugar no mundo já começa a ser planejado por aqueles que vão participar ativamente de seu processo de desenvolvimento e formação. Este planejamento inclui desde o espaço físico que o abrigará nesta chegada, os objetos que o circundarão, o clima afetivo desta espera e as expectativas daqueles que o aguardam, depositadas em um processo nem sempre consciente. A interação dos fatores materiais, sociais e psicológicos que ocorrem neste lugar preexistente, modificado pelo nascimento do sujeito, é o que se chama Matriz.
Construção social de identidade
Período em que a criança se dá conta do próprio corpo, tomando consciência dos genitais. Percebe a diferença entre os sexos. Realiza a identidade sexual: sou um menino, sou do sexo masculino ou sou uma menina, sou do sexo feminino.
A fase do reconhecimento do eu sexual também pode ser chamada fase do espelho sexual. A partir daí se forma a identidade de gênero, compreendida aqui como uma construção social de Identidade.
compromisso patológico:
Nesta observação teórica acerca do transexualismo, considera que os transexuais, talvez por se sentirem socialmente pressionados, encontram no transexualismo uma defesa contra a homossexualidade, já que a consideram uma forma de perversão.Seria um transtorno narcísico ou uma perturbação da fase de separação-individuação. Dessa forma, assumem a transexualidade como um compromisso patológico, procurando a diferenciação do homossexualismo.
Definição de identidade de gênero segundo diferentes escolas psicológicas:
Psicanálise : própria consciência dos genitais( implícito: identidade de gênero) > Fantasia > identificação > papel de gênero
Aprendizado Social: Outras consciências dos genitais > reforço diferencial > papel de gênero > identidade de gênero
Desenvolvimento Cognitivo: Outras consciências dos genitais > rotular identidade de gênero > papel de gênero > identificação
Teorias espirituais para as causas da transexualidade:
Esta é possivelmente uma das teorias mais difíceis de se considerar devido a dispersão de idéias e ao mesmo tempo a sua enorme força cultural. Tomei como base de pesquisa especialmente entrevistas com líderes de diferentes segmentos espirituais e religiosos.
Para alguns, não existe outra causa além do mal, da lei contrária a vontade divina. Nestes casos as causas seriam as más influências que tentariam nos afastar de Deus. Acho incrível a facilidade com que se fala de pessoas que“ se curaram” e que Deus as libertou desse “mau”. Para não colocar em prova a minha capacidade de crer que para Deus nada é impossível, não me posiciono quanto ao fato de que nem a medicina nem a psicologia conseguiram reverter a condição do transexual.
Diante dos relatos, pude constatar, que as pessoas possuem domínio de suas ações quando são mentalmente estáveis ( se é que posso usar este termo), então, quando pressionadas, ou quando sentem que podem estar ofendendo profundamente a Deus, elas podem optar por não mais assumir sua condição como transexual, tentando levar uma vida que a sociedade e que Deus aprovem. Porém, custo a acreditar ( não pondo Deus à prova ), que grande parte dessas pessoas realmente não se sinta mais com a identidade de gênero que assumia sentir. Mas por encontrar conforto espiritual, esta pessoa agora pode se sentir emocionalmente confiante a ponto de renunciar o modo de vida,mudando sua posição diante da sociedade, o que é diferente de conseguir mudar sua condição como disfórico.
Existe uma teoria espiritual baseada na transmutação. Essa teoria é de um segmento espiritualista com base reencarnacionista. Ou seja, por acreditar que existem vidas sucessivas, acredita-se que de uma vida para outra ocorre um processo chamado transmutação: o espírito que antes possuía um corpo masculino , agora poderá nascer com um corpo feminino e virceversa. Acredita-se também em transmutação para outras espécies animais ou vegetais. Então, quando um espírito não espera o tempo determinado para que ocorra este processo de transmutação e reencarna precocemente, o indivíduo acaba nascendo com imperfeições. È através desta teoria que alguns espiritualistas justificam a transexualidade.
Outra teoria espiritualista é justificada pela possessão. Quando um indivíduo sofre influência de espíritos e assume a(s) característica(s) destes.
Como podemos verificar neste breve estudo, existem inúmeras contradições e segmentações especulativas no que diz respeito ao tema. Achei que seria interessante expor aqui algumas das diversas perspectivas que tentam desvendar o que para mim seria somente mais uma das particularidades e diversidades da espécie humana. Talvez, no fundo seja mais simples do que tudo isso, talvez, nos falte entender que a amplitude do ser humano jamais conseguirá se limitar a padrões pré estabelecidos pelas costuras culturais. Darwin, teórico evolucionista, observou em seus estudos diferentes padrões de comportamentos sexuais no reino animal, além dos que consideramos convencionais para a procriação e perpetuação das espécies. Acredito que a natureza permita em seus mistérios diferentes expressões, abrir a mente para receber a diversidade do corpo e da mente como uma dádiva, seria, na minha opinião, muito mais enriquecedor para a evolução humana.
O que nos diferencia das demais espécies animais é justamente a intrigante capacidade de raciocínio que nos leva a questionamentos cada vez mais insaciáveis. Procuramos causas sobre efeitos, respostas aos enigmas, para talvez acalentar a nossa solidão diante da magnitude de um universo infinito. Então, quero especialmente esclarecer, a priori, que o objetivo deste estudo não é estabelecer qualquer tipo de verdade nem ser taxativo. Meu estímulo à estas pesquisas foi de lançar um novo olhar sobre as perspectivas e especulações à respeito do tema transexualidade. Buscando sair da minha aparente zona de conforto, ao invés de devolver o julgamento que me é dado, tento entender como somos vistos e analisados de fora, assim sou capaz de concordar ou discordar e, na medida do possível, nos melhor mostrar. Expondo, então, a realidade interna, sentida, doada e doída de ser quem somos. E somos vistos por diversos ângulos.
Ao longo de décadas temos sido julgados, na maioria das vezes não de forma positiva, nossa essência tem sido negada, escondida e apedrejada, mas também temos sido estudados e analisados pelos aparentemente mais preocupados, se não pelo lado humano, talvez preocupados com a moral e a decência, tentando justificar ou aliviar a culpa por nos aceitar tal como somos.
Neste estudo quero enfatizar algumas das principais teorias acerca da transexualidade, embora não de forma aprofundada por reconhecer as minhas limitações quanto à conhecimentos específicos no âmbito científico -psicológico. Não quero ofender ou desafiar qualquer estudo ou estudiosos, não se trata de um profissional lidando com outros profissionais, trata-se sim de um ser humano que pretende entender e se fazer entender.
Quando se trata de estudo sobre a transexualidade, tudo o que existe são especulações, não existem achados definitivos ou conclusivos sobre o assunto. As pesquisas prosseguem, e os pesquisadores se utilizam uns dos outros para acrescentar elementos em sua teoria. Aqui eu analiso quais poderiam ser as causas da transexualidade no ponto de vista de três grandes ordens teóricas: As perspectivas de ordem biológicas, psicológicas e espirituais.
Teorias biológicas para as causas da transexualidade:
Aparentemente, pouco se tem a dizer sobre as possíveis causas biológicas por ter sido a psicologia a ciência que mais explorou o tema. Embora atualmente a disforia de gênero seja considerada um transtorno mental pela psiquiatria. O que ao meu ver é bastante controverso, já que para um transtorno mental o mais coerente seria um tratamento com medicação ou psicoterapia e não um tratamento físico. Por exemplo, se um esquizofrênico diz que é o super-homem, tende-se a tratá-lo de forma a entender que ele não o é, ao invés de transformá-lo em um super-homem. Todas as tentativas de tratamento para reverter a disforia de gênero não obtiveram sucesso, os chamados disfóricos caíam em profunda depressão, o que era constante causa de mutilação e suicídio. Ao perceber que estava em risco a vida e o bem – estar do paciente, a medicina resolveu readequar o corpo físico para que fosse compatível com a identidade de gênero, não mais o contrário. Concluiu-se também que o transexual não é psicótico, ele sabe da sua biologia. Ou seja, temos total consciência do sexo biológico ao qual pertencemos e sabemos que ele é diferente da nossa identidade de gênero.
Existe na biologia pessoas que nascem com sexo ambíguo, são pessoas que nascem entre os dois sexos, situação conhecida como hermafroditismo. A disforia de gênero é também chamada falso hermafroditismo, já que o indivíduo nasce, normalmente, com a biologia perfeita, sem qualquer contradição e com as funções normais dos órgãos reprodutores. Mas, mesmo assim, encontra-se numa ambigüidade de sexos, já que sua identidade de gênero não condiz com tal biologia.
Alguns autores concluem que, em transexuais, a diferenciação do cérebro e dos genitais corre em direções opostas e indica a base neurobiológica do transtorno de identidade de gênero. Referem que a diferenciação do hipotálamo ocorre aproximadamente por volta dos quatro anos de idade e depende de fatores genéticos e níveis de hormônios pré-natais. Por isso, acredita-se também que é durante a gestação que aparecerão fatores determinantes para essa futura condição.
Teorias psicológicas para as causas da transexualidade:
A seguir irei considerar pontos que considero de relevância sobre as visões psicanalítica e psicodramática do transexualismo em virtude da importância dos estudos psicanalíticos do tema. Existem várias definições à respeito da formação da identidade de gênero, segundo diferentes escolas psicológicas.
O foco do estudo está entorno das seguintes teorias de causas:
-(baseada na ) psicanálise.
- Aprendizado social
- Desenvolvimento cognitivo
Sinto que preciso alertar que muitas teorias psicológicas podem parecer ofensivas aos transexuais, e pretendo lembrar que o fato de estudar essas teorias e considerá-las aqui não me coloca a favor de todas elas.
No final do século XIX e início do século XX, tal termo e conceituação médica não eram evidentes, sendo a questão vista como variação do amplo tema do homossexualismo, mas foi Stoller, um importante estudioso do transexualismo e da psicanálise, um dos primeiros a distingüir sexo (manifestação biológica) de gênero (manifestação sócio-cultural). Algo que para alguns ainda não é muito óbvio. Mas nós, os transexuais, convivemos ao longo de toda a vida com essa diferenciação e sabemos, intuitivamente, que sexo não necessariamente é a mesma coisa de gênero. Stoller afirmou: As experiências não podem ser reproduzidas à vontade, mas apenas por uma mãe motivada a interagir em seu filho durante todo o dia e por anos, com toda a complexa intensidade que forma o comportamento maternal… nenhuma simples experiência behavorista em laboratório pode estimular as psicodinâmicas de vida que produzem um transexual.
hipótese não-conflitiva e conflitiva.
A partir da década de 1970 do século XX, estudiosos da psicanálise e de diversas escolas psicológicas procuraram sistematizar conhecimento a respeito do tema. As dificuldades conceituais e as divergências em relação aos referenciais psíquicos, apesar de aumentar a confusão já existente, contribuíram com informações e observações valiosas.
Segundo Michel et al existem duas categorias psicológicas de entendimento da etiologia do transexualismo: uma hipótese não-conflitiva e outra, conflitiva.
A hipótese não-conflitiva avalia a relação mãe-filho como sendo emocional e corporalmente feliz e que se prolonga em uma simbiose na qual o menino se identifica com o gênero da mãe. Já a hipótese conflitiva é um mosaico de diferentes teorias propostas no qual o pedido de mudança sexual nada mais é do que uma "formação de compromisso patológico", ou seja, "nesse contexto o transexualismo é considerado uma defesa contra a homossexualidade, uma forma de perversão, um transtorno narcísico ou uma perturbação da fase de separação-individuação" Segundo os mesmos autores, haveria concordância geral de que o transexualismo apareceria como manifestação de um transtorno de personalidade do tipo "borderline", pois os transexuais apresentam muitas características similares à desses indivíduos (ansiedade crônica, difusa e flutuante; isolamento; depressão; baixa tolerância ao estresse; etc.).
Privilegiando essas experiências, Stoller desenvolve maneira particular de pensar e entender apenas o transexualismo masculino( aqui considerado como os MTFs, o correto seria transexualismo feminino) e que, segundo ele, teria como possível origem a següinte seqüência:
1. invasão da mãe em seu filho e a proximidade entre eles: extrema simbiose entre mãe e filho, gerando identificação intensa que não é rompida.
Aparentemente não existe conflito edipiano na situação edipiana. Isto porque não existe (praticamente) pai. O menino não tem rival em relação à sua mãe; ele a possui, talvez mais completamente do que o possa qualquer outra criança, porque eles são praticamente um (Stoller, 1982, p. 28).
O filho não se sente ameaçado em sua virilidade e masculinidade pelo pai, por isso o conflito edipiano não se estabelece.
2. ausência do pai: a figura paterna não ameaça e não estabelece um conflito edipiano. A escolha da mãe por um pai com as características de ausente, infantil, desleixado consigo e com o mundo ou mesmo alcoólatra e/ou distante não é por acaso e tem relação direta com a forma dessa mãe encarar a própria sexualidade e a relação com esse filho.
3. passividade e a bissexualidade do pai: Esses pais, não são apenas incapazes de tomar parte na família como homens masculinos, mas o seu relacionamento com as esposas é distante e mal-humorado. Eles não desejam assumir a responsabilidade de sua função de marido e pai, mas, sem reclamações, persistem em um casamento sem amor e quase sem sexo (Stoller, 1982, p. 68-69). Alguns até demonstram efeminação e sua bissexualidade.
4. baixa freqüência de divórcios: a taxa de divórcio costuma ser praticamente zero, apesar dos casamentos infelizes, com ataques de raiva, insatisfação sexual, desprezo e silêncios prolongados; mulheres poderosas e iradas que não podem abandonar seus maridos passivos; maridos calados que dizem que as coisas estão bem e não ouvirão o desespero atrás da hostilidade de suas esposas. O casamento é seguro e essencial para ambos e a separação seria um desastre.
5. a influência da irmã: uma irmã também pode reforçar ou dar origem ao comportamento feminino do irmão. Se a mãe não é tão competitiva nem ultramasculinizada, muitas vezes uma irmã pode sê-lo e, com isso, originar o comportamento no irmão.
Minha tese, a ser melhor testada no futuro, é de que o grau de feminilidade que se desenvolve em um menino irá variar exatamente (não aproximadamente) com aquilo que lhe tenha sido feito no início da infância (Stoller, 1982, p. 71).
Porém, nenhuma dessas causas foram pensadas no que se diz respeito aos transexuais masculinos (FTM). Contudo, as causas para a transexualidade seriam unilaterais, ou diferentes para homens e mulheres, o que torna controversa esta versão, embora não totalmente descartada, por poderia servir para justificar alguns comportamentos, mas não uma identidade de gênero. Stoller acredita que o “transexualismo” feminino e masculino têm dinâmicas diferentes.
a psicanalista parisiense Agnès Oppenheimer, posiciona-se a favor das idéias de Stoller e acrescenta-lhes alguns dados:
• transexuais são invadidos por uma obsessão, uma crença invasiva sobre sua transformação corporal;
• eles não apresentam nem transvestismo perverso nem psicose;
• eles são desconfiados, mentem facilmente, vêem as diferenças entre os sexos de forma estereotipada, trivializam seus problemas, e como não se reconhecem homossexuais, desaprovam completamente a homossexualidade.
Ovesey e Person,psicanalistas que ainda hoje servem de referência ao estudo do transexualismo, estabelecem que, mais que uma identidade de gênero feminina, os transexuais masculinos possuem uma identidade de gênero ambígüa. Desde pequenos eles têm um desejo, não uma convicção. "Eu gostaria de ser uma menina" e não "Eu sou uma menina". A convicção cristalizada só acontece quando o paciente aprende sobre a existência do transexualismo. A maioria dos pacientes comumentemente fala de suas dúvidas e da confusão sobre o quê e quem são – heterossexual, homossexual, travesti – até aprenderem e lerem sobre transexualismo.
Person e Ovesey evoluem sua conceituação estabelecendo os conceitos de transexualismo primário e secundário. No transexualismo primário, a criança recorreria a uma fantasia reparativa de fusão simbiótica com a mãe para conter a ansiedade de separação. Esta seria a etapa mais primitiva de um "continuum" de desenvolvimento e geraria uma identidade de gênero ambígua que impediria um desenvolvimento sexual adequado, levando os indivíduos a uma relativa assexualidade e a uma atividade masturbatória pouco prazerosa e fantasiosa.
Já em relação ao transexualismo secundário, dividido em transexualismo homossexual e transexualismo transvéstico, não ocorre a fusão simbiótica com a mãe mas, sim, uma relação transicional com objetos parciais. Neles a vida sexual pode ser intensa. Dessa maneira, pode-se pensar em uma "síndrome transexual", evoluindo desde um transexualismo primário a um secundário. Com isso, estabelece-se uma abordagem e conduta para os transexuais, além de uma visão na qual o tratamento pode ser diferenciado baseado na evolução psicodinâmica, adequação social, adequação pessoal e vida sexual.
Como existem vários autores psicanalíticos que discutem o tema, não vou considerar todas as fontes encontradas, sublinhando, por ora, as que considerei mais intigrantes, coerentes ou absurdas.
Poucos dos autores se dedicaram ao estudo do transexual masculino ( FTM), um deles foi Socarides, que descreve quatro características que também podem ser aplicadas às transexuais MTF:
1. intenso, insistente e persistente desejo de ter seu corpo transformado no de uma pessoa do sexo oposto;
2. convicção de ter sido aprisionado no corpo do sexo errado;
3. imitação concomitante do comportamento de uma pessoa do sexo oposto;
4. uma procura insistente de transformação sexual por meio de cirurgia e de uso de hormônios.
Os psicanalistas Volkan e Masri, seguindo as diretrizes de Socarides, apresentam características de desenvolvimento psicológico ligadas ao transexualismo feminino( aqui considerado o FTM). São elas:
1. está associada à fase pré-edípica, entre os 18 meses e três anos de idade;
2. sua identidade masculina se inicia precocemente na vida e se manifesta pelo uso de objetos entre as pernas, simulando um pênis;
3. o desenvolvimento da identidade masculina está ligada à relação estabelecida com a mãe e à ausência do pai. A mãe é usualmente deprimida e sexualmente faminta. A menina, para compensar o sofrimento materno, de forma inconsciente, se identifica como homem e passa a usar objetos entre as pernas que substituem o pênis que lhe falta e a diferenciam da mãe deprimida e sofredora;
4. na fase edípica, ao não contar com o reconhecimento paterno, identifica-se com ele para escapar da relação intensa com a mãe;
5. como conseqüência, a menina desenvolve a característica de ser centrada em si mesma e, na adolescência, o desejo cirúrgico de transformação para concretamente ter um pênis.
Identidade X identificação Jacob Levy moreno, criador do psicodrama
Identidade não deve ser confundida com identificação. Identificação supõe a existência de um eu estruturado que tenta encontrar sua identidade com um outro eu igualmente estruturado.
Identificação pode produzir-se apenas depois que a criança cresceu e desenvolveu sua capacidade de se distingüir de outras pessoas. Referimos, pois, identidade à fase mais precoce do desenvolvimento da criança (Moreno, 1974, p. 116).
Matriz de identidade
Matriz de Identidade e reconhecimento do Eu sexual, espelho sexual. Por essa teoria, antes mesmo do bebê nascer, seu lugar no mundo já começa a ser planejado por aqueles que vão participar ativamente de seu processo de desenvolvimento e formação. Este planejamento inclui desde o espaço físico que o abrigará nesta chegada, os objetos que o circundarão, o clima afetivo desta espera e as expectativas daqueles que o aguardam, depositadas em um processo nem sempre consciente. A interação dos fatores materiais, sociais e psicológicos que ocorrem neste lugar preexistente, modificado pelo nascimento do sujeito, é o que se chama Matriz.
Construção social de identidade
Período em que a criança se dá conta do próprio corpo, tomando consciência dos genitais. Percebe a diferença entre os sexos. Realiza a identidade sexual: sou um menino, sou do sexo masculino ou sou uma menina, sou do sexo feminino.
A fase do reconhecimento do eu sexual também pode ser chamada fase do espelho sexual. A partir daí se forma a identidade de gênero, compreendida aqui como uma construção social de Identidade.
compromisso patológico:
Nesta observação teórica acerca do transexualismo, considera que os transexuais, talvez por se sentirem socialmente pressionados, encontram no transexualismo uma defesa contra a homossexualidade, já que a consideram uma forma de perversão.Seria um transtorno narcísico ou uma perturbação da fase de separação-individuação. Dessa forma, assumem a transexualidade como um compromisso patológico, procurando a diferenciação do homossexualismo.
Definição de identidade de gênero segundo diferentes escolas psicológicas:
Psicanálise : própria consciência dos genitais( implícito: identidade de gênero) > Fantasia > identificação > papel de gênero
Aprendizado Social: Outras consciências dos genitais > reforço diferencial > papel de gênero > identidade de gênero
Desenvolvimento Cognitivo: Outras consciências dos genitais > rotular identidade de gênero > papel de gênero > identificação
Teorias espirituais para as causas da transexualidade:
Esta é possivelmente uma das teorias mais difíceis de se considerar devido a dispersão de idéias e ao mesmo tempo a sua enorme força cultural. Tomei como base de pesquisa especialmente entrevistas com líderes de diferentes segmentos espirituais e religiosos.
Para alguns, não existe outra causa além do mal, da lei contrária a vontade divina. Nestes casos as causas seriam as más influências que tentariam nos afastar de Deus. Acho incrível a facilidade com que se fala de pessoas que“ se curaram” e que Deus as libertou desse “mau”. Para não colocar em prova a minha capacidade de crer que para Deus nada é impossível, não me posiciono quanto ao fato de que nem a medicina nem a psicologia conseguiram reverter a condição do transexual.
Diante dos relatos, pude constatar, que as pessoas possuem domínio de suas ações quando são mentalmente estáveis ( se é que posso usar este termo), então, quando pressionadas, ou quando sentem que podem estar ofendendo profundamente a Deus, elas podem optar por não mais assumir sua condição como transexual, tentando levar uma vida que a sociedade e que Deus aprovem. Porém, custo a acreditar ( não pondo Deus à prova ), que grande parte dessas pessoas realmente não se sinta mais com a identidade de gênero que assumia sentir. Mas por encontrar conforto espiritual, esta pessoa agora pode se sentir emocionalmente confiante a ponto de renunciar o modo de vida,mudando sua posição diante da sociedade, o que é diferente de conseguir mudar sua condição como disfórico.
Existe uma teoria espiritual baseada na transmutação. Essa teoria é de um segmento espiritualista com base reencarnacionista. Ou seja, por acreditar que existem vidas sucessivas, acredita-se que de uma vida para outra ocorre um processo chamado transmutação: o espírito que antes possuía um corpo masculino , agora poderá nascer com um corpo feminino e virceversa. Acredita-se também em transmutação para outras espécies animais ou vegetais. Então, quando um espírito não espera o tempo determinado para que ocorra este processo de transmutação e reencarna precocemente, o indivíduo acaba nascendo com imperfeições. È através desta teoria que alguns espiritualistas justificam a transexualidade.
Outra teoria espiritualista é justificada pela possessão. Quando um indivíduo sofre influência de espíritos e assume a(s) característica(s) destes.
Como podemos verificar neste breve estudo, existem inúmeras contradições e segmentações especulativas no que diz respeito ao tema. Achei que seria interessante expor aqui algumas das diversas perspectivas que tentam desvendar o que para mim seria somente mais uma das particularidades e diversidades da espécie humana. Talvez, no fundo seja mais simples do que tudo isso, talvez, nos falte entender que a amplitude do ser humano jamais conseguirá se limitar a padrões pré estabelecidos pelas costuras culturais. Darwin, teórico evolucionista, observou em seus estudos diferentes padrões de comportamentos sexuais no reino animal, além dos que consideramos convencionais para a procriação e perpetuação das espécies. Acredito que a natureza permita em seus mistérios diferentes expressões, abrir a mente para receber a diversidade do corpo e da mente como uma dádiva, seria, na minha opinião, muito mais enriquecedor para a evolução humana.
Assinar:
Postagens (Atom)