segunda-feira, 26 de julho de 2010

SUPERANDO OBSTÁCULOS

Tudo parecia perfeito, a libertação da personalidade que eu era obrigado a assumir dia após dia como uma epécie de tortura diária, estava prestes a ter fim. Olhei no espelho após a primeira grande atitude de cortar o cabelo e me vestir com roupa exclusivamente masculina ( não mais unisex ), "enfaixei" aqueles que me incomodavam e de que nada tinha orgulho, os peitos, que não gostava de denominar seios. E ali estava: a primeira grande parte de mim. Estava desaprisionando um pássaro que de tantos anos presos, não sabia voar. Sorri, senti-me leve, e a vida se simplificou naquele sorriso.
Os efeitos de que tudo era só flores apartir daquele momento confrontaram-se com a realidade ao sair na rua, na verdade, ao sair do quarto. Eu não havia comentado com ninguém mais além da minha namorada, e não imagina o quanto minha família sofreria com o que pra mim seria um desaprisionamento. Tudo era tão bom que eu não conseguia fazer conexão alguma com dor ou sofrimento, mas além deles vierão também os preconceitos, os julgamentos, a rejeição, o afastamento... e eu comecei a perceber que haveria de pagar um preço, mas nada me impediria, nada era maior do que o desejo de ser feliz. Por vezes me questionei se estava sendo egoísta, mas aos poucos entendi que não existem grandes mudanças sem processos de desapego, e que nem sempre são agradáveis. Entendi que eu deveria suicidar a velha personalidade, enterrar, aprender e ensinar a esquecer. E a morte, como é comum que seja, é dolorosa. O transexual precisa morrer para nascer de novo, a grande diferença é que para nós essa morte tem sabor de vida, é prazerosa, libertadora... para os que nos são próximos, é muitas vezes assustadora, eles não sabem o que está por vir, nós sabemos porque convivemos por toda a vida com essa imagem de quem somos em nossa mente. Eles não, não sabem quem somos além de quem temos sido até então. È preciso ter amor, paciência e tolerância com os que amamos, muito mais nós com eles do que o contrário. Essa fase iria passar, aos poucos eles sentiriam junto comigo o alívio de me verem como sou. E passou...
È preciso saber que nem todos vão ficar, alguns, talvez por medo, se afastarão. Mas o tempo vem remediar essas feridas. O amor, quando verdadeiro, sempre permance.
As pessoas não foram os únicos obstáculos, os sistemas, as leis, a medicina, os orgãos públicos... alguns parecem ignorar a existência do homem transexual, ou reunem meias informações e formam conceitos errados sobre nós. Precisei enfrentar cada uma dessas barreiras com a força da minha vontade de viver, impulsionando, pressionando, doando a energia que me mantinha nessa luta. E a vida me doou pessoas, para que eu não me sentisse só, pessoas as quais serei eternamente grato, é preciso saber recebê-las, mantê-las e,principalmente, agradecê-las.

O mais importante nisso tudo, é que percebi a missão: Não adiantava cobrar que os médicos soubessem lidar comigo, que os orgãos públicos soubessem me receber sem olhar torto e muitas vezes criar caso me impedindo de tirar documentos importantes para a minha ação como cidadão. Não, não adiantava bater de frente, seria exaustivo e tão violento quanto a violência que eu sentia em mim. Era fato que o mundo parecia estar despreparado, mas tudo na história teve um começo de luta, de imposição. E como tudo o que é novo, assusta, apavora... eu estava lá, e precisava continuar fazendo parte do mundo, se eles não sabiam lidar comigo, eu é quem precisaria ensinar, com amor e paciência.
Diferente das mulheres transexuais, os homens têm se mantido discretos, querem excercer seu papel na sociedade sem precisar remeter ao passado. E de fato, é isso que a maioria de nós quer. Mas o silêncio fez com que todas essas barreiras continuassem ali presentes para os próximos que viriam a superá-las, tornando nossa trajetória solitária e dificultando o real entendimento a nosso respeito. Acredito que possa existir a revolução silenciosa, sem exposição. Através dela abriremos caminhos, facilitando o entendimento, somos o que somos e é preciso respeitar esse dom, assim como todos os outros!

domingo, 25 de julho de 2010

ONDE TUDO COMEÇOU

Em bem da verdade, tudo começou quando eu nasci, mas se eu fosse começar daí a história ficaria longa e nos perderíamos nas várias entrelinhas que certamente apareceriam no caminho. Então, para simplificar o que seria somente uma introdução para este blog vou começar a dissertar quando encontrei a luz no fim do túnel... ah.. A LUZ... era a mesma luz que se prosta diante dos meus olhos neste exato momento, isso mesmo, foi vagando pela internet que descobri que existiam outras centenas, talvez milhares, de pessoas como eu.
Numa noite ou tarde qualquer, eu estava conversando online com uma namorada que eu tinha na faculdade, pessoa maravilhosa, guardo boas lembranças e um enorme carinho, não só por ela mas por todas as mulheres que passaram pela minha vida, todas pessoas iluminadas, agradeço muito a Deus por elas, e a algumas peço sinceramente desculpas por qualquer dor que eventualmente eu tenha causado pela minha falta de dicernimento ao lidar com o sentimento alheio. Mas voltando ao foco, vi algo que me chamou atenção sobre transexuais masculinos, ou homens trans, e ali, ávido por informação comecei a buscar outros sites, poucos brasileiros, e comunidades no site de relacionamento que costumo frequentar, não precisei de muito tempo para entender o que antes eu não entendia, imediatamente me identifiquei com tudo e com todos, senti um grande estado de extâse e de ânimo ao saber que eu PODIA ser quem eu era somente em secreto, e que muitas vezes me envergonhava de ser por toda pressão cultural, especialmente religiosa que eu sofria. Aliás, a espiritualidade é algo que quero considerar futuramente e que acho de fundamental importância na reconstrução do verdadeiro eu.
Poucas horas depois, anunciei sem exitar, a decisão à minha, na época, atual namorada, que no início ficou um pouco apreensiva, mas posteriormente ela mesma reconheceu que de fato, no fundo me via como um homem, nunca como uma mulher. Então foi aí que tudo começou... no início eu somente me vestia como um garoto e enfaixava os seios da forma que podia e conseguia, então foram meses de pesquisa, para esclarecer os caminhos que eu deveria percorrer, muita coisa se diz na internet, e nem todas são fontes seguras, então fui em busca de profissionais da saúde conveniados ao meu plano. Foi aí que comecei a perceber o quão difícil seria. Nem mesmo eles estavam preparados para pessoas como eu, eu ouvia coisas desanimadoras nos consultórios médicos, mesmo quando decidi, por duas vezes fazer terapia, percebi que esses profissionais estavam, na verdade, muito mais perdidos do que eu.
Postarei em seguida como consegui reverter essa condição e encontrar apoio de verdade.

APRESENTAÇÃO

Passando por uma dura fase de readaptação, sentindo-me assustadoramente só, quero relatar a quem interessar possa, a minha trajetória como transexual.
Primeiramente sinto que seja necessário explicar o que é ser transexual. Acredito que existam todos os tipos de pessoas no mundo e que por diferentes motivos, históricos ou aparente necessidades as pessoas escolhem caminhos em suas vidas, devo dizer que ser transexual pode sim ser uma escolha, mas ter o que alguns chamam de disforia de gênero ou crise de identidade de gênero, não é uma escolha.
Exato, não escohi me sentir menino mesmo tendo nascido num corpo de menina, não escolhi a minha vida toda querer refletir no espelho uma imagem masculina que habitava na minha mente.
Essa, foi uma decisão e uma seleção da natureza, por um motivo que infelizmente não sei dizer qual.

Bem, obviamente isso causou grande confusão durante toda minha vida, e a exatamente dois anos venho tentando remediar, aos poucos, vinte e tantos anos de confusão.
Como é de se esperar, não é nada fácil, mas aos poucos sinto desaprisionar a minha verdadeira imagem deste corpo que não identificava como sendo meu.
Sinto uma leve e doce sensação de liberdade ao olhar no espelho e ver que o que antes eram seios não estão mais lá... ao ver como um adolescente os primeiros rastros da minha pequena e rala barba aparecendo no meu rosto... e isso me dá a esperança novamente, esperança de viver como eu sempre quis, como eu mesmo e não como alguém que nunca fui.
Agora, que as pessoas na rua me chamam pelo nome, posso atender orgulhoso e não me sentir mais um estranho.
Quero relatar aqui como tenho vivido até agora, quais as atitudes que tenho tomado para a minha readequação, como estou encaminhando meu tratamento ( que exige muita responsabilidade ), relacionamentos, conquistas, enfim... preciso disso para desabafar, mas especialmente se eu puder ajudar a quem tenha dúvidas sobre o assunto ou quem conheça alguém que precise de ajuda. A solidão que enfrento nesta busca, não precisa existir para todos.